quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

LENDA - Piratas de Guaratuba - ZULMIRO



Conta a lenda, que um certo filho de nobres ingleses, numa viagem de recreio à bordo de uma nau britânica com destino à América, foi aprisionado por um pirata do Caribe,no mar das Antilhas, nos meados do século XVIII.
Entre muitos dos famosos da época, citam vários candidatos à captor de David Burfield , o mais citado, como sendo o Barba Negra...mas como lenda aceita qualquer hipótese descompromissada com veracidade, digamos que seja ele...muito improvável, mas que vá lá!
Vou tratar nesse texto, o pirata como sendo o sanguinário corsário espanhol, conhecido na época como D. Pedrito Astúrias...vulgo, El Buccanero...o mais provável deles.
O rapaz de apenas 17 anos, chamou à atenção do seu algoz, pela maneira debochada , como encarou seu sequestro.
Apesar da pouca idade, David já havia conhecido quase todas as tabernas do cais do porto do Rio Tâmisa, em Londres, e a maioria das suas prostitutas de plantão.
Bebido de todos os vinhos , malte e rum..
Conhecia bem o ópio e os lânguidos prazeres proporcionados pela droga de origem chinesa.
Considerado  como irresponsável com as finanças da família, depravado e até herege, seu sumiço nos mares do Caribe, não causou nenhuma comoção forte no seio da família e amigos dessa, à exceção dos seus amigos de farra e das mulheres  das tabernas, que tiveram seus rendimentos drasticamente reduzidos.
Nem remorsos de o terem  enviado à colônia para aprender a ter mais juízo, numa terra agreste, colonizada pela escória do Reino civilizado e de outros povos europeus e asiáticos, que ali chegavam em busca ouro e prazeres, muitos deles,  deportados de seus países de origem para desocuparem espaços nas celas das prisões, apinhadas de ladrões e vagabundos.
O corsário pirata estava , como era tradicional na época, à serviço dos espanhóis em guerra contra os britânicos, daí a vantagem de pilhagem das cargas dos inimigos.
Espanhóis, portugueses, holandeses, franceses e os próprios britânicos se utilizavam dessa estratégia a fim de causarem incômodos morais e prejuízos financeiros aos adversários de entreveros.
El Buccanero, ficou impressionado com os, parcos mas interessantes conhecimentos que o rapaz possuía de outros idiomas, aprendido nas tabernas, o que lhe seria útil, por não conseguir se comunicar com muitos dos seus tripulantes, sequestrados em bordéis das Ilhas caribenhas, de outras línguas não espanholas, para servirem como tripulação de seu cliper de três mastros, construído no estaleiro de um mórmon na Baía de Chesapeake, na costa leste da colônia inglesa para um fazendeiro produtor de tabaco e algodão, destinado à  travessias do Atlântico, entregar  aos  lordes comerciantes de Londres, seus financiadores, sua produção.
O cliper leve e rápido, tripulado por ingênuos marujos, foi presa fácil e incorporado à frota de Buccanero, tornando- se nau capitânia de seu bando.
O capitão da nau inglesarendia, e amigo do pai do garoto, na intenção de livrá-lo do fio da espada do carniceiro, pediu clemência para David à Buccanero falando de suas qualidades culturais e conhecimento de outros idiomas, podendo ser útil ao corsário , se...vivo.
Buccanero pensou nessas vantagens antes de cortar a cabeça do arrogante capitão fleumático.
 - ¿Cuál es su nombre  niño? Buccanero inquiriu seu prisioneiro.
David mais que rapidamente e espertamente, fez o que sabia e com maestria , . . .mentir, na esperança de salvar a pele.
- Zulmiro és mi nombre y mi avuela , portugués ...
- ¿Y quién es su padre, que es noble y muy rico? O pirata, avaliou a possibilidade de uma boa chantagem e polpudo resgate.
- Ohhh, no ... Mi difunto padre era puebre ... Yo soy un huérfano! Mentiu novamente.
- ¿Qué idiomas sabes?
- Un poco de Inglés, francés, alemán, holandés e italiano, así ... e. ..
-Basta...será poupado e vai traduzir minhas ordens à esses bastardos dos meus marujos voluntários estrangeiros!
- Quanto vai me pagar, sr. . . .“ Putanero” ?
- BUCCANERO, seu imbecil, água, comida e a Prancha sob espada e dentes de tubarões  se   desobedecer minhas ordens, e tentar se amotinar , seu  pederasta filho da puta!
-Não precisa se exaltar “meu capitão" , foi só uma perguntinha tola, mas e onde vou dormir? Numa cabine individual e bem confortável , presumo...
 Bucccanero bebeu sem pressa um gole generoso de rum ,sorriu , arrotou,  e olhou para o cesto da gávea, no alto do mastro do meio, de maneira bem sugestiva.
-Mas...de jeito nenhum, não sou gaivota para me empoleirar em topo de mastros, nem papagaio de ombro de pirata para serví-lo ,seu...Putan...digo, sr. Baccanero!
Putanheiro e bacanal eram as palavras mais frequentes no vocabulário do rapaz, nas tabernas e bordéis às margens do Tâmisa...
 - Timonel.. cortar la verguita del mariquita afeminado, y ahora! O corsário já vermelho de bravo, gritou a ordem para seu timoneiro, um holandês enorme, parecendo um gorila ruivo peludo e cego de um olho.
-Calma, meu capitão, já estou subindo pros meus  aposentos...mas sob protestos é claro! David, falou sentindo um arrepio  só de imaginar ser privado do seu maior patrimônio, e tão a gosto das garotas mais experientes  dos bordéis.
-El Timonel... se cortó el pene maricón ... ahora esto!
David subiu os 45 degraus de corda em tempo recorde, causando admiração aos tripulantes por sua grande e repentina agilidade em escalar mastros.

E foi assim que David  se tornou o pirata Zulmiro e esses foram seus primeiros momentos como tripulante “ voluntário”...do cliper anteriormente chamado de Ariel e rebatizado como “Madre de Dios” por Buccanero após sua captura.
Alguns meses após, Zulmiro havia ganho a confiança do capitão, dos tripulantes, e algumas regalias também, por bom comportamento , obediência.
Principalmente pela sua bravura durante as abordagens às naus assaltadas.
Aprendeu rapidamente como passar o fio da espada nos pescoços dos aturdidos e apavorados marujos dos navios que tinham suas cargas pilhadas, o que lhe rendeu  promoção à Imediato do capitão.
Ao fim do primeiro ano como Imediato, já havia conhecido a pequena Ilha no mar das Antilhas, entre Tortuga e Isla Margarita, onde Buccanero armazenava os tesouros representados por barras de ouro, prata, moedas e jóias, fruto dos butins amealhados dos navios, inimigos  da Coroa Espanhola, à quem servia...
Zulmiro percebeu que o esperto corsário, jamais iria dividir o butim com seus tripulantes, muito menos com a Corte de seu reino.
E já conhecia bem o ditado popular...
“ Quem rouba ladrão tem cem anos de perdão “
A grande oportunidade, surgiu durante uma orgia num bordel, na baía da Ilha de Tortuga, após sangrenta derrota imposta a uma nau francesa de 45 canhoneiras, muito mal tripulada.  
Tomado por um sentimento de bondade para com seus marujos, Buccanero presenteou a tripulação com duas dúzias de tonéis de rum pela vitória.
O momento ideal  e mais propício para colocar em prática o plano concebido à vários meses, com seus três  fiéis conspiradores do secreto motim, dois holandeses e um francês, que não mais toleravam o barbarismo de Buccanero.
Pouco antes do amanhecer, Zulmiro e seus três cúmplices, que espertamente se mantiveram sóbrios a noite toda, notaram os marujos espalhados pela areia na praia, dormindo totalmente embriagados.
-Vai ser bem fácil, gente...o escaler está na água como planejamos Peter?
-No lugar e pronto para partir, imediato, com três dos melhores pares de remo.
- Ótimo, lembram do plano não é?
-Claro, só iremos passar o fio da espada no pescoço do capitão, não temos nada contra os outros! Johann falou por todos.
- Colocaram os tonéis de óleo de baleia nos escaler?
-Como foi planejado , Imediato! Jean-Pierre, confirmou
-Muito bem, o “Puttanero” tá dormindo bêbado como um gambá...vou lá passar a espada nele, e me esperem com o escaler flutuando e prontos para remarem o mais rápido que conseguirem.
-Em quantas naus iremos atear fogo, chefe?
-Em todas, menos no cliper,  mas só depois que as soltarmos dos ferros, pois a corrente os afastará da costa em chamas, sem dar oportunidade de alguém salvá-las antes de sossobrarem...nada de perderem tempo levantando as âncoras, cortem os cabos!
Numa ação rápida e bem coordenada, Zulmiro cortou a cabeça do capitão, livraram das âncoras os outros quatro barcos da frota do bando  e atearam fogo neles, usando o óleo de baleia como combustível.
A bordo do cliper, já com velas cheias e se afastando rapidamente da costa puderam ainda até verem a correria e gritaria dos piratas correndo pela praia como baratas tontas e maldizendo as almas dos quatro amotinados.
O tonel de rum que restara no cliper, serviu de festiva comemoração pela espetacular ação bem sucedida do grupo amotinado.
-E agora, imediato, o que vamos fazer?
-CA-PI-TÃO, senhor Jean-Pierre...sou ”seu”  Capitão agora, lembre disso.
-Tá bem Capitão, mas qual o plano ?
-Direto para Ilha da Caveira nos apoderarmos do tesouro do falecido  Putaneiro e que Deus tenha piedade da alma dele e Satanás que aproveite pra cozinha-lo em seu caldeirão..
-Obaaaa...mulherada à vista...
-Rum às pencas...
- E  naus recheadas de ouro à nossa espera  oelo Caribe!
-Nada disso pessoal , de agora em diante vamos trabalhar honestamente, e o plano é o seguinte...após roubarmos o tesouro, rumaremos para  Isla Hispaniola, onde há um estaleiro clandestino que transforma os porões dos navios de carga em prateleiras para transporte de negros capturados no interior da Africa e vendidos em Cuba, na América e no Brasil...
-Ô loco chefe, vamos traficar escravos agora? Isso é coisas prá maricas!
-Que nada, é prá marujos bem machos como nós, ainda mais agora que a Inglaterra declarou a atividade ilegal e botou a Royal Navy à caça de navios negreiros no Atlântico...
-Esses almofadinhas frouxos, empaladinhos em engomados uniformes brancos? Jean-Pierre falou admirado pela audácia desses imperialistas que detestava.
 -Eles mesmo...ah ah ah
-Já botamos muito deles prá correr e com menos canhoneiras que eles! Peter lembrou.
- Mas como sabe desse negócio de escravos chefe?
-Esquecearam que antes de ser capturado, conheci todas as tabernas e bordéis do Porto de Londres, e lá as notícias mais frescas vindas do mar correm a solta?
-Ilha da caveira à proa capitão!!! Peter berrou da gávea do mastro.
- Ótimo, precisamos agir bem rápido e cair fora desse quadrante, antes que os amigos do Buccanero venham atrás de nós se vingarem...
-Por falar neles, sabe que te apelidaram de Barba Ruiva? Ah ah ah
-É bom, quanto mais apelidos me derem mais confusões farão...
Após surrupiarem o tesouro de Buccanero, nada leve por sinal, pois demandou quatro viagens com cargas totais do escaler repleto de arcas...Johann , o ex-timoneiro de Buccanero , e que fora incubido de cortar o bilau de Zulmiro , recebeu as coordenadas da Isla Hispaniola, e acertou  o rumo para  NE à  17° N magnético.
Durante a gostosa navegada em orça, pois o grande ventilador dos alísios soprava contínuo em direção contrária às correntes, Zulmiro falou à seus comparsas como funcionava o comércio de escravos.
Eles são capturados no interior da selva, por caçadores norte-africanos, os árabes , em aldeias pequenas e levados até a costa da Angola, onde há um curral enorme pertencente aos padres jesuítas espanhóis que...
-Peraí  chefe, não vai me dizer que os padres estão metidos nesse trambique, né? Johann perguntou incrédulo.
-E como estão rapazes, mas por uma causa nobre e  em nome de Deus, que não permite que escravos sejam transportados antes de catequizados, daí eles de maneira muito bondosa, cuidam de afastar os demônios das almas dos pagãos, os batizam,  e tudo a um preço módico pela hospedagem nos currais, que cobram dos árabes...em barras de ouro e prata!
-Putz...que canalhas, mas são piores que  os piratas do Caribe! Jean-Pierre se mostrou indignado, esquecendo ser um deles.
-Vale a pena os riscos, chefe?
-Se vale, compra-se a carga em Angola e se vende por 20 vezes mais na entrega, mesmo com o que sobra da carga, pois os negros mais fracos vão morrendo pelo caminho. Ouvi dizer que de uma carga de 300 cabeças, se consegue umas 200 prá negociar...
-E onde se vende...na colônia britânica?
-Ahhh...a costa da América está muito vigiada pelos ingleses, mas tem um porto bem melhor e mais seguro...
-Onde?
-Na América do Sul, numa ex-colônia portuguesa conhecida como Brasil, um porto chamado por Belém, no Grão-Pará...dizem que fica na entrada  de um rio muito grande, maior que o Tâmisa, e que lá os ingleses não se atrevem a entrar...
-Porquê?
-É que a colônia agora é da Espanha que está dominando Portugal , e como eles estão em guerra com os ingleses, os espanhóis os atacariam e os afundariam...
- A Espanha permite o tráfico?
-Claro, os fazendeiros da colônia precisam de mão de obra escrava, e a Companhia de Jesus do ouro e da prata.
-Chefe, estamos carregando todo o tesouro no cliper..será que nesse estaleiro, não irão tentarem nos roubar?
-Já pensei nisso, e durante as obras no barco, manteremos os baús na minha cabine, trancada e ficaremos vigiando.
-E depois?
-Ouvi falar de uma pequena baía, no sul da costa da colônia, bem longe das rotas dos mercantes, outros piratas e armadas...acharemos lá algum lugar apropriado prá o escondermos...
E assim foi.
Feita a preparação do porão, seguiram rumo à esta baía, cabotando a costa da colônia, até finalmente encontrarem a tal baía onde havia uma pequena vila e muitos morros.
Zulmiro ,escolheu um pequeno morrete, porém estrategicamente  abrigado, próximo à  vila e que do topo dele poderia se ver o mar à volta e servir como observatório de barcos adentrando a baía.
E foi no Morrete, com 94 metros de altura que esconderam o tesouro, dentro de uma caverna natural de pedras, com entrada pequena e disfarçada entre arbustos.
Foram mais de cinco anos de próspero comércio de escravos, até que o cansaço das batalhas contra a Royal Navy e a monotonia das longas viagens os entediarem,  e encerraram o negócio.
Num pequeno estaleiro de um português na baía, e do  esconderijo do tesouro, contrataram o desmantelamento da gaiola do porão do clíper e passaram a fazer cabotagem entre esta, o porto de Santos e do Rio de Janeiro, levando peixes, madeira de lei, produtos agrícolas da região e trazendo mercadorias estrangeiras para abastecer os comerciantes locais.
Descobriram  o quanto pagavam mal por trabalho honesto e desistiram desse negócio rapidamente.
Jean-Pierre, sonhava  morar numa das Ilhas paradisíacas da Polinésia descobertas por seus compatriotas franceses e viver luxuriosamente entre as belas waines morenas dançando hulas para ele.
Johann e Peter, viverem na cidade do Cabo, onde os seus compatriotas holandeses estavam iniciando a colonização daquela região da África.
Zulmiro, decidira viver entre a pequena vila da baía, conhecida por Vila de São Luiz da Marinha de Guaratuba e a Vila de N. Sra. da Luz dos Pinhais, atual Curitiba, uma florescente cidade do planalto e não muito distante da baía.
Misteriosamente Johann e Peter caíram do clíper e morreram afogados no mar, após uma noite de muito rum.
Jean-Pierre foi encontrado degolado pelos índios carijós  da vila, num mangue, já semi-devorado pelos caranguejos e siris.
-Coisas do destino! Pensou Zulmiro pesaroso pela perda dos três fiéis companheiros, em condições tão trágicas.
 - E agora terei de cuidar do tesouro...sozinho! Pensou bem triste.
PS.: Em Curitiba, centenas de caçadores de tesouros, escavaram  vários bairros na esperança de encontrarem o folclórico tesouro do pirata Zulmiro.
Em Guaratuba, buracos e mais buracos no Morro Morretes...
Se duvidarem disso, pesquisem no Google, como “ Pirata Zulmiro”...e vão encontrarem farto material a respeito da lenda.
Ahhh...o morro chamado agora de Parque Morretes ( rebatizado recentemente pela bancada evangélica da Câmara Municipal de Guaratuba como "Monte das Orações" )me pertence, por herança...mas até hoje , confesso, só encontrei ratos, cobras e gambás por lá...nada de tesouro de piratas, juro.

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